Para o Padre Lê Floch, foi a mesma coisa: fez-se uma investigação para ver se se encontrava, na direção do seminário, coisas que lhe fossem reprováveis; isso não seria difícil, sempre se encontra algo, e se faria o Padre Lê Floch compreender que seria melhor que ele pedisse sua demissão e, depois, que se fosse. A investigação foi feita por D. Schuster, um eminente beneditino(2). Resultado da investigação inteiramente favorável. Dom Schuster fez um elogio sem limites á ação do Padre Lê Floch, da direção, do seu seminário, da influência que tinha sobre os seminaristas, da fé que era a sua, e, assim por diante...
Os adversários de Padre Lê Floch, furiosos com o resultado da investigação, conseguiram convencer o Papa a fazer uma contra-investigação nomeando alguém que tivesse verdadeiramente o encargo de dizer algo que pudesse jogar o Padre Lê Floch para fora. Aí acabaram por encontrar um professor e um ou dois alunos do seminário que fizeram algumas observações: ele está muito à direita, muito maurrasiano, muito antiliberal, muito... etc. Isso bastou. Ele foi condenado e obrigado a sair. É absolutamente odioso.
Ora, é o mesmo combate que travamos atualmente. Por que somos perseguidos hoje; o que vocês são, o que somos na tradição? Porque afirmamos a Verdade e condenamos os erros, condenamos o liberalismo, condenamos o modernismo. Isso é inadmissível para a Igreja conciliar. O concílio, agora, mudou tudo aquilo, agora é necessário estar bem com os liberais, com os modernistas, com os franco-maçons, com os comunistas, com todo o mundo. Faz-se o ecumenismo com todo o mundo. Vocês são contra, logo, são contra o Concílio, logo são contra o papa, condenados! Vão, condenados! É a mesma coisa, os mesmos motivos, vocês sabem, é o mesmo combate.
Isso é, uma vez mais, providencial na minha existência. Para mim, foi uma lição prática considerável, por que enxerguei a malícia, a mentira desses inimigos da Verdade. Então, passei a ser sempre desconfiado, sobretudo mais tarde, quando fui bispo, sou desconfiado de toda essa gente que procuram sempre comprometer a igreja, comprometer o clero, comprometer os bispos com os erros modernos, com o mundo moderno. Isso tudo me ensinou a ser vigilante quando recebia padres, ou quando visitava as dioceses e travava relações sobre isso e aquilo. Imediatamente pensava: ah! Eles são, pode ser, opostos uns aos outros porque há os liberais e os conservadores, os tradicionalistas. Sempre... pode-se encontrar um pouco disso por toda parte.
O pobre Padre Lê Floch, então, partiu, e, quando voltei em 1927, o Padre Berthet estava nomeado. Ele era um homem de duas caras, de aparência tradicional, mas, ao mesmo tempo muito acomodado... Nada de condenações, de lutas, de combate aos erros. Deixemos disso, sejamos prudentes. Então, os últimos anos no seminário foram penosos, por causa disso. Contudo, houve um certo número de seminaristas que não pôde suportar a condenação do padre Lê Floch e deixou o seminário naquele momento.
Fui ordenado em 1929, em Lille, por Mons. Liénart, mas era, então, costume fazer ainda mais um ano de estudos, como padre, no seminário. Disponível para o ministério em 1930, voltei à minha diocese de Lille.
Meu irmão, tendo ingressado em 1924 nos Padres do Espírito santo, tinha terminado seus estudos e partira para o Gabão no mesmo ano da sua ordenação, em 1927. Quanto a mim, o Cardeal Liénart nomeou-me vigário numa cidadezinha assaz importante do entorno de Lille, a Marais de Lomme. Contava com cerca de dez mil habitantes, quase todos operários. Era uma cidade operária. Esses operários trabalhavam nas fábricas das vizinhanças porque não havia uma só no território da paróquia. Tinha ruas compridas, com casas construídas no mesmo modelo. Havia muita gente vinda da região de Boulogne, onde grassava o desemprego, e que se amontoavam no Norte a fim de encontrar trabalho.
Era preciso fazer amizade com essa gente. Era necessário visitá-los. Eles ainda não tinham contato com a paróquia. Mas, havia um grupo de uma vida paroquial mais fervorosa, que freqüentava. Ai! Em dez mil habitantes, poucos eram praticantes. Talvez dois mil ao todo assistiam a Missa aos domingos, contando as crianças.
Primeira nomeação: Vigário
Já tinha, portanto, recebido minha nomeação, o cura estava advertido. Ele tinha um vigário. Procurei-o para dizer:
-Bem, estou aqui. O que fareis comigo?
Eu era o segundo vigário, e ele fez uma pequena reflexão, muito divertida. Disse-me como que amavelmente, um tanto queixoso, mas, enfim, desembuchou:
-Oh! Vós sabeis, eu não pedi um segundo vigário, não tinha necessidade. Pensava que não tinha necessidade de mais que um só!
-Está bem!
Ele disse:
-Para uma paróquia como a nossa, não vejo necessidade de se ter um segundo vigário.
E eu respondi:
-Se tentará trabalhar da mesma maneira!
Ele replicou:
-Mas, sois bem-vindo, certamente, estais em casa, etc. Recebereis um quarto.
Ele tinha duas sobrinhas que se ocupavam da arrumação, da cozinha, das roupas, etc. Eram pessoas de valor, tudo bem quanto a elas. E depois, eu já conhecia o vigário que foi um antigo aluno do Sagrado Coração, de Tourcoing. Ademais, já tinha alguns conhecidos por lá, mas, evidentemente, não conhecia toda a paróquia nem todas as pessoas. Para mim era novidade. Desejei que fosse encarregado do ministério dessas visitas, a essas pessoas. Oh, havia pessoas de toda espécie, por certo...
A paróquia estava dividida em quarteirões. Tal quarteirão era do cura, tal quarteirão era do primeiro vigário, tal quarteirão, do segundo vigário. Então, era preciso visitar essa gente toda. Geralmente, era-se bem recebido, gentilmente recebidos. Mas, algumas vezes, havia comunistas que nos fechavam a porta na cara... Então, ia-se à vizinha e se perguntava:
-Quem é aquele bom homem? O que ele é? Por que foi desagradável comigo?
Então ela dizia:
-Vós sabeis, é um comunista ferrenho, por isso não quis vos receber. Mas, não é um homem mau, vou tentar falar com ele, vou tentar arrumar as coisas, ele acabará vos recebendo.
E, de fato, depois de uma segunda passagem, ele abria a porta. Tentava-se saber um pouco qual era a situação das pessoas, e, muitas vezes, infelizmente, havia divorciados, outros que viviam juntos sem serem casados. As crianças não freqüentavam o catecismo, etc. Enfim, era preciso levar toda essa gente para a paróquia. Não era sempre fácil, evidentemente. Colhia-se bons frutos, porque, no fundo, não eram maus, mas, era necessário dar a eles ocasião de conhecer um pouco melhor a paróquia e os padres. Quando já tinha contato com os padres, estava tudo bem. Assim mesmo em pessoa não se podia regularizar todas as situações.
E depois, havia a visita aos enfermos, visitas regulares que eram interessantes. E também as confissões, as prédicas, o catecismo, o patronato das crianças, os jovens, tanta coisa... não faltava trabalho, e o contato com uma população simples, uma população operária, - não era gente culta, mas digna – eram simpáticos.
Então, a providência... A providência, não quis que eu ficasse lá...
Pouco depois religioso, missionário
Eu continuo a história... Estava então, como vigário nessa paróquia do entorno de Lille, em Marais de Lomme, com um cura e um primeiro vigário. Durante aquele ano que lá passei, em 1930-1931, recebi, naturalmente, cartas seguidas do meu irmão que já era missionário no Gabão. Eram descrições do seu trabalho e do trabalho dos seus confrades. Eles estavam sobrecarregados. Não havia missionários suficientes. Por isso, ele insistia: “Por que você não vem? Considere que há abundância de padres na diocese de Lille”. É claro que essa frase correspondia um pouquinho àquela que me disse o cura quando acabara de chegar. Ele me disse:”Sabeis, eu vos recebo com agrado, certamente com prazer, mas não preciso de um segundo vigário”.
A despeito da insistência do meu irmão, não me sentia atraído pelas missões. Não sei porquê... Não, não fui feito para ser missionário lá longe; isso não me atraía. Teria preferido, como lhes disse, ser cura, ou vigário, num vilarejo, e conhecer todos, fazer-lhes o bem. Mas, percorrer a selva, no meio dos indígenas, aprender novas línguas, enfim, num mundo completamente estranho, diferente do meu, tinha a impressão que tudo lá me excedia, não era para mim. De fato, eu não estava atraído, mas, à força de compreender os apelos do meu irmão... tive uma vocação missionária de razão. Pensei: ”Desde que não sou absolutamente indispensável aqui, se, verdadeiramente, falta muito no mundo de lá, por que não? Por que não ir?”.
Então, no fim do ano, escrevi ao Cardeal Liénart, depois à Congregação dos Padres do Espírito Santo, dizendo-lhes que, se o Cardeal me desse autorização para deixar a diocese seria voluntário à Congregação dos Padres do Espírito Santo a fim de ser missionário.
Então, o Cardeal respondeu favoravelmente, ele me disse: “Oh! Sim, evidentemente, lastimamos sempre ver partir um dos nossos padres, mas, enfim, se verdadeiramente vós credes poder ser útil nas missões, não podemos vos recusar este pedido”.
No noviciado
Os padres do Espírito Santo, certamente, ficaram contentes em receber um padre secular, mesmo porque não precisariam cuidar da sua formação. Fui seu aluno no Seminário Francês, é verdade, mas não me destinava a eles, mas para a diocese de Lille. Eles não tinham contribuído de maneira positiva para a minha formação. Contudo, certamente, eles ficaram contentes em me receber.
Ingressei no noviciado em Orly, bem próximo ao atual aeroporto. Lá, os padres do Espírito Santo tinham uma propriedade para o noviciado. Éramos três padres, todos antigos alunos do Seminário Francês. Lá estava, também, o Padre Laurent. Fomos amigos no seminário, se pensar que a providência nos conduziria, um dia, ao mesmo noviciado. – De novo a providência! – Lá, reatamos uma amizade ainda mais profunda, já que nos tornamos, ambos, padres do Espírito Santo. Havia, também, o Sr. Abbé Wolf, que se tornou bispo em Madagascar, na diocese de Diego Suarez. Éramos, portanto, três padres e cerca de oitenta noviços, nenhum para a França! É uma enormidade. Quando se pensa em números como aqueles, pergunta-se se é possível, agora que não há ninguém mais.
O Padre Faure era o mestre dos noviços, e o Padre Desnats, o confessor: muito bons padres os do Espírito Santo. Passou-se um ano de noviciado, um ano frio, meu Deus, meu Deus! É possível fazer os noviços sofrer como sofremos? Inacreditável! Não sei se foi um ano excepcionalmente frio, penso que sim. Em todo caso, não tínhamos aquecimento nos nossos quartos, somente a sala de reuniões era aquecida, e não dispúnhamos, neles de água encanada, naquela época. Íamos buscar água nas bacias de uma torneira, no fundo de um corredor. A água congelava na bacia! De manhã era preciso quebrar o gelo para poder se lavar um pouco... empilhava-se quatro, cinco, seis cobertas, o que fazia peso, mas não esquentava. Tinha-se frio sempre. Oh! É espantoso! Não sei como não morri de frio!
E por cima, a praça, onde nos faziam ler o livro do Padre Rodriguez, um jesuíta, em quatro volumes: A perfeição Cristã. Devíamos ler Rodriguez, um após os outros, durante a aula, ao ar livre!!! Fazia um frio terrível! Não se sentia os dedos que postavam o livro e ficava-se, um depois do outro, lendo. Ah! Assim foi o noviciado!
Profissão e primeira nomeação
Enfim, o noviciado acabou, fiz profissão em 8 de setembro de 1932, Festa da Natividade da Virgem Santíssima. E depois, fui designado para o Gabão. Poderia ter sido designado alhures, mas, evidentemente, como foi meu irmão que me chamou... Mons. Tardy, o bispo do Gabão, já tinha vindo me ver, no noviciado, e me tinha dito:
-Vireis para nossa casa, vós o sabeis.
Eu disse:
-Não sei de anda, isso depende do Superior Geral.
-Sim, sim, sim, estou certo, estou certo, não se deve recusar, de modo algum! Vosso irmão está lá, deveis seguir vosso irmão.
Respondi:
-Se o Superior Geral está de acordo, irei para vossa casa.
Então ele prosseguiu:
-E depois, como fizestes vossos estudos em Roma, sereis professor no seminário.
Oh!... Agora essa... Era coisa que eu mais temia, oh! Não, não era possível! Gostava muito da pastoral, gostava muito do ministério, sentia-me feito para isso. Mas, professor, ah... não, não, não, professor do seminário, não. Eu lhe disse:
-Vos sabeis, não sou mais capaz que os outros! Não acrediteis que, pelo fato de ter cursado em Roma seria um melhor professor.
Mas, ele insistiu:
-Ah! Mas sim! Sim, sim!
No Gabão: professor e diretor
O Superior Geral designou-me, então, para o Gabão, e eu viajei em outubro. Desde que naquele tempo não se dispunha de avião, embarquei num navio, que gastou quinze dias para chegar ao Gabão. Dei adeus aos meus pais e parti em outubro de 1932. Não deveria ver mais minha mãe, ela morreu em 1938. Não pude mais revê-la, ainda me encontrava por lá.
Fui designado para o seminário, cujo diretor era o Padre Fauret. Dois anos mais tarde, quando ele tornou-se bispo de Loango, no Congo Médio, nos. Tardy nomeou-me diretor. Tinha como adjunto o Padre Berger, infelizmente já morto. Cuidei de todos esses jovens seminaristas, e isso não foi pouco trabalho, a fim de assegurar o funcionamento de todas as classes, pois, com uma quinzena dos maiores, tinha outra quinzena de pequenos seminaristas. Como tocar todas essas classes?
A fim de diminuir a carga horária dos cursos, procedia-se por ciclos, ano a ano, para ter todos os seminaristas de uma vez. É dentre aqueles que se contam, agora, os bispos do Gabão.
Lá estava mons. Ndong, meu aluno que se tornou bispo de Oyem, no Gabão. Também, Mons. Felicien Makonaka (3), que agora é bispo de Franceville, nos enfins do Gabão! E mais, Mons. Cyriaque Obamba, bispo atualmente em Movilla, que também foi meu aluno no Gabão (4). O arcebispo atual de Libreville Mons. Anguilé, ao contrário, não foi meu aluno. Poucos padres, que estão ainda vivos, também foram meus alunos. Entre os pequenos seminaristas, alguns morreram, os vivos passaram muito, no entanto, a casa dos sessenta e cinco, setenta anos. Alguns me conheceram bem, e foi isso que, graças a Deus, facilitou a implantação do Padre Groche, no Gabão. É bem certo que, se meu irmão e eu não tivéssemos sido missionários por lá, não se teria podido jamais implantá-lo. Os bispos teriam feito pressão, de tal maneira, que o governo nos teria impedido de fundar. Entretanto, foi difícil para esses bispos, que foram meus alunos, perseguir-me, e moverem uma verdadeira guerra contra mim. Foi, então, uma graça particular do bom Deus, com certeza, que a Fraternidade São Pio X pudesse se estabelecer no Gabão. Para mim é uma grande consolação pensar que, agora, a chama se acende de novo, lá no Gabão, graças ao Abbé Groche e aos abbés que estão com ele, que ressuscitam a Tradição, aquilo que demos a esses bispos. Foi o que fiz por eles, é o que damos continuidade, é o que o Abbé Groche continua a fazer.
A doença, depois, a missão de N’djolé
Passei, assim, seis anos no seminário: dois como professor e quatro anos como diretor. O trabalho era duro, e o clima terrível. Muitos missionários que foram enviados a esse país morreram, ao cabo de dois ou três anos. Quando se ia ao cemitério, via-se as sepulturas dos nossos missionários: morto aos vinte e seis anos, morto aos vinte e sete anos, morto aos vinte e oito anos. O clima era dificilmente suportável. Naqueles tempos, mal se podia defender contra os insetos e todas as doenças que havia: o impaludismo, a filariose, as amebíases, os vermes intestinais, a mosca tsé-tsé (a mosca do sono), era espantoso. Havia, também, a biliose hemática, isto é, hemorragias internas causadas por mal funcionamento do fígado em razão dos alimentos e do calor. A biliose hemática era muito grave, mortal. Meu irmão sofreu muito ao cabo de dois anos. E eu, no fim do sexto ano, estava, praticamente, à morte.
Naquela época, não deveria, em princípio, voltar à França senão a cada dez anos. Foi permitido que voltasse em 1939. Mas, eu tinha deixado o seminário antes, em 1938, e, durante um ano, fui para uma missão no interior.
Lá, encontrei mais satisfação, mas foi preciso aprender a língua. Fui muito feliz nessa missão de N’djolé, como vigário como o abbé Ndong, o futuro Mons. Ndong. Nos demos bem, nos entendemos bem. Havia religiosas de Castres, da Congregação da Imaculada Conceição, que lá estavam como missionárias. Em todas as nossas missões, tínhamos, sempre, uma escola... em N’djolé, tínhamos oitenta meninos e sessenta meninas. As Irmãs se ocupavam com as meninas, todas internas, e, nós, os padres, cuidavamos da escola dos meninos. Depois, fazíamos giros pela floresta, com segurança.
A Guerra de 1939 – Mobilização
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Três irmãos no Gabão: Marcel, Marie Gabrielle e Renê |
Voltei à Europa em 1939, no momento em que a guerra começava. A guerra surpreendeu-nos na Guiné Inglesa, em Freetown. O comandante advertiu-nos, o Padre Viril e eu, que éramos dois amigos de infância. Ele nos disse: “Creio que vai ser a guerra”. E, com efeito, a guerra foi declarada. Naquele momento, voltamos ao porto de Freetown, para camuflar o navio, para que ele não tivesse luzes, e pudesse escapar dos submarinos que viessem torpedeá-lo. Voltávamos à Europa. Em Dakar, esperamos algum tempo e, depois, fomos conduzidos em comboio. Dois ou três navios de guerra acompanhavam cinco ou seus de passageiros para protegê-los, eventualmente, contra os ataques de submarinos. Já tinham afundado navios nas costas da Mauritânia, depois da declaração de guerra, navios de passageiros.